Simone Biles e a saúde mental dos atletas nas olimpíadas

Caso Simone Biles e a saúde mental dos atletas nas olimpíadas

Compartilhe em suas redes!

A ginasta Simone Biles, dos Estados Unidos, desistiu de disputar as etapas do individual geral e por equipes, das decisões do salto e das barras assimétricas, e a final individual do solo nas olimpíadas de Tóquio. Ela era cotada como favorita para ouro nas disputas, mas, por uma decisão dela em conjunto com os médicos, preferiu preservar sua saúde mental.

O assunto levantou uma pauta importante no mundo dos esportes: a saúde mental dos atletas — e não só os das olimpíadas.

O que aconteceu com Simone Biles?

Em coletiva de imprensa, a atleta americana comentou um pouco sobre a sua decisão de não participar das finais da modalidade que disputaria:

“Eu não sei como eu estou me sentindo agora. Eu só preciso voltar para casa e trabalhar em mim mesma, me sentir ok com tudo o que está acontecendo, processar tudo enquanto estou aqui. Foi a parte mais difícil disso tudo. Eu estava ok por perder as finais porque sabia que, fisicamente, eu não poderia fazer isso”.

“Mas eu precisava entender porque o meu corpo e minha mente não estavam em sincronia. O que aconteceu? Eu estava muito cansada? Por que os cabos não conectavam? Eu treinei a minha vida toda, eu estava pronta, mas algo aconteceu fora do meu controle. Mas, no fim do dia, a minha saúde importa mais do que qualquer medalha”, completou.

A única final disputada foi a da trave de equilíbrio.

Segundo relatou, a atleta está sofrendo com twisties.

O que são twisties?

Os chamados twisties em que Simone revelou estar sofrendo são uma espécie de bloqueio mental em que corpo e mente não conseguem se conectar.

É como se ela quisesse fazer um determinado movimento, tivesse força e preparo para isso, mas a sua mente não a obedecia, não acompanhava a informação enviada para o corpo — como se, por segundos, a mente sofresse um “apagão”.

A atleta inclusive chegou a relatar que ela pretendia, na apresentação que marcou sua desistência, fazer um salto com duas piruetas e meia, mas só deu um giro e meio e, nesse momento, ela nem ao menos sabia onde estava.

No mundo da ginasta, esse é um problema ainda mais sério, pelo alto risco de lesão que os movimentos oferecem.

Simone, inclusive, afirmou que já sofreu de twisties antes.

A pressão no esporte

Competir, ganhar medalhas, ser o melhor, defender seu país, fazer história.. os atletas, muitas vezes desde cedo, convivem com a pressão em suas vidas. São muitos anos de preparação e cobranças individuais.

Tudo isso pode resultar em um desgaste não só físico, com a aparição de lesões, mas também mental. Porém, o assunto muitas vezes não é levado com a seriedade que merece.

“A atitude dela (Simone) representou uma enorme contribuição não somente para o mundo do esporte, que lida tanto com alta performance, como também para todas as realidades humanas e esferas de atuação. Ela se colocou no lugar de humana e não de máquina. E este olhar se tornará cada vez mais importante nestes novos cenários que estamos vivenciando”, opina Daniele Costa, especialista em gestão de pessoas e idealizadora do portal “Plataforma da Vida”.

Além disso, a profissional complementa: “há um movimento de se criar um novo mindset de que está tudo bem não dar conta de tudo e não ser o melhor em tudo, revisitando as definições de sucesso que viemos construindo nos últimos anos”.

Atletas demonstram apoio e compartilham suas dificuldades

O que muitos esquecem é que o esporte também é uma profissão e os atletas podem enfrentar dificuldades como em qualquer outro trabalho.

Além das questões já citadas anteriormente, muitos ficam frustrados por não conseguirem grandes marcos na carreira, por precisarem se aposentar na casa dos quase 40 anos e pelo excesso de trabalho.

“O excesso de trabalho, a pressão por resultados rápidos e metas inalcançáveis podem desencadear a Síndrome do Esgotamento Profissional, mais conhecida como Burnout”, comenta Donata Hamada, psicóloga e supervisora de saúde mental da Amparo Saúde.

Adriano de Souza, conhecido como Mineirinho, é uma grande figura no cenário do surf. No ano de 2021, anunciou que iria se aposentar aos 34 anos. Recentemente, em um vídeo em seu Instagram, Mineirinho explicou que foi diagnosticado com Burnout, não sentia mais prazer em surfar e comentou sobre o caso de Simone, fazendo um alerta para as pessoas que julgam uma escolha profissional sem ao menos saber os fatores que o fizeram chegar nessa decisão.

 
 
 
 
 
Ver essa foto no Instagram
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Uma publicação compartilhada por Adriano De Souza (@adrianodesouza)

Os sintomas mais comuns da Síndrome são:

  • cansaço físico e mental constantes;
  • dores de cabeça frequentes;
  • alterações de apetite;
  • insônia;
  • dificuldade de concentração;
  • sentimento de derrota, desesperança e incompetência;
  • alterações repentinas de humor;
  • isolamento;
  • fadiga;
  • desencadeamento de alterações físicas, como pressão alta, dores musculares, problemas gastrointestinais e alteração de batimentos cardíacos.

“A pessoa chega em uma estafa física e mental, levando muitas vezes a realizar as coisas de forma automática, perdendo o prazer e conexão com a própria vida“, complementa Daniele.

Outro ex-atleta conhecido no mundo do futebol, Adriano Imperador, também relatou sobre sua situação, deixando uma mensagem de apoio à Simone. O ex-jogador sofreu com a depressão depois de um conjunto de fatores: a morte de seu pai, o rompimento do tendão de Aquiles e a decisão da sua aposentadoria.

Segundo dados do Instituto Brasieiro de Geografia e Estatística (IBGE), a depressão acomete 16,3 milhões de brasileiros. De acordo com um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UEFJ), a doença sofreu um aumento de 90% nos casos em tempos de pandemia da Covid-19.

Já 86,5% da população, de acordo com o Ministério da Saúde, sofrem de ansiedade, doença que muitas vezes vem atrelada à outras enfermidades.

“Embora a depressão e a ansiedade sejam doenças similares e que costumam surgir juntas, elas são diferentes. A primeira está associada à perda de prazer, enquanto a segunda gera irritabilidade constante”, explica a Dra. Lívia Salomé, médica especialista em Medicina do Estilo de Vida pela Universidade de Harvard e vice-presidente da Regional Minas Gerais do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida (CBMEV).

Dificuldades na carreira: outros atletas olímpicos também relataram enfrentar questões psicológicas

Além de Simone e outras figuras públicas relacionadas ao esporte, alguns atletas olímpicos também dividiram com o mundo alguns relatos relacionados à sua saúde mental:

  • Naomi Osaka, do tênis, relatou sofrer com ansiedade e depressão;
  • Tom Dumoulin, do ciclismo, teve de se afastar por alguns meses ao se questionar se queria continuar no esporte;
  • Liz Cambage, do basquete, desistiu de ir para Tóquio por conta de crises de ansiedade.

“Cada vez mais temos visto o desafio de dar voz a este ser humano que possui limites, que é gente, que possui fraquezas e que busca uma forma de vida mais leve e longe de modelos e padrões que levam a pilotos automáticos exaustivos e irreais”, completa a especialista em gestão de pessoas.

Mesmo sendo um cenário triste, é importante que os atletas levantem esse assunto para dar voz a um fator que deve fazer parte da maioria da vida das pessoas: o cuidado e a preservação da saúde mental.

Simone soube a hora de parar de se cobrar tanto e cuidar de si. Inclusive, finalizou sua participação nas Olimpíadas de Tóquio disputando a final da trave de equilíbrio e levando o bronze para casa — além de ser ovacionada pelo público das arquibancadas e de todo o mundo.

Quem Teve O Surto do Dia

Luana Zanolini
Luana Zanolini
Eu sou aquela que é sempre a do contra. Enxergo valor nas pequenas coisas e gosto de pessoas engraçadas. Amo chocolate, uma praia com os amigos, futebol e surf. Gosto de filmes e séries de suspense, investigação, comportamento e drama. Sou formada em Jornalismo e um pouco sincera demais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *